Nascido a 1 de Fevereiro de
1934, na cidade do Recife, Vamireh Chacon
é um insigne pensador brasileiro com um distinto currículo: bacharel e doutorado pela Faculdade de Direito da
Universidade do Recife, depois Universidade Federal de Pernambuco; bacharel e
licenciado pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
Católica de Pernambuco; ex-professor assistente, adjunto e titular da Faculdade
de Filosofia na mesma Universidade; desde 1975, professor titular no Instituto
de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde se tornou professor
emérito em 2005; professor visitante em universidades estrangeiras, principalmente
da Alemanha, França, Portugal, Espanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos; doutor honoris causa pela Universidade de Erlangen-Nuremberg,
da Alemanha, e membro das mais diversas instituições.
Ao longo da sua já longa vida,
é autor de mais de duas dezenas de títulos, em particular na área da Filosofia
Política. Aqui, centrar-nos-emos numa sua obra publicada em Portugal (Edição
Verbo, 2002), com o sugestivo título de O
futuro político da lusofonia, composta pelos seguintes textos: “Lusofonia e
Blocos Transnacionais”, “Blocos Internacionais, Mercosul e CPLP na viragem do
século XX ao XXI”, “Lusofonia, Luso-Tropicalismo, Luso-Tropicologia”,
“Roteiro”, “Portugal e o plano jesuíta para o Brasil”; “A Razão Atlântica:
Mercosul, África do Sul e Comunidade Lusófona”, “O Oriente Lusitano: primeiros
contactos Oriente-Ocidente”, “O Impacto de Marco Polo”, Revolução das
Navegações: epopeia e autocrítica”, “Idealismo e realismo no Ultramar”, “Fernão
Mendes Pinto e Companheiros”, “Diletantismo e paixão na redescoberta do Oriente”,
“Descoberta do Oriente também pelo Brasil”, “Gilberto Freyre e o encantamento
pela Arábia e Índia, e as suas antevisões da China” e “Luso-Tropicalismo e
Luso-Tropicologia revisitados”.
Pelo título geral do volume –
e dos artigos que o compõem –, compreende-se imediatamente o teor da obra:
trata-se de uma reflexão sobre a Lusofonia enquanto bloco transnacional,
reflexão que se faz retrospectivamente, à luz da nossa história (de Portugal e
do Brasil, sobretudo), e prospectivamente, na antecipação de como se poderá
realizar, no século XXI, todo o potencial desse bloco. Dos autores citados,
salienta-se o nome de Gilberto Freyre: “dos primeiros, ainda hoje um dos
poucos, a defender a lusofonia cultural, económica e política” (p. 139). E,
conhecendo-se todos os preconceitos ideológicos relativos a este pensador –
vindos, tanto em Portugal como no Brasil, das correntes da dita “esquerda” –,
são particularmente significativas as seguintes palavras de Mário Soares, que Vamireh Chacon refere: “Agora, passados os anos
e lendo novamente Gilberto Freyre, abstraindo Salazar e as guerras coloniais,
aquilo que ele disse é verdadeiro. Aquilo que ele disso sobre luso-tropicalismo
é verdadeiro, é uma cultura própria e temos que desenvolvê-la no futuro.” (p.
49).
Assim, em diálogo com Gilberto
Freyre, Vamireh Chacon começa por
salientar a importância da cultura – “a cultura é o que somos, a seiva
do que fazemos, a civilização” (p. 40) –, no âmbito de uma reflexão
particularmente lúcida sobre o fenómeno, tão contemporâneo, do
multiculturalismo: “Sem eixo integrador de rotação cultural centrípeta,
denominador comum, dispersam-se as contribuições multiculturalistas e
fragmentam-se, recomeçando o processo de definições e agrupamento” (p. 24).
Aludindo, em contraponto, às “brechas
da entropia produzida por excessivo fechamento” (p. 30), Vamireh Chacon afirma pois o primado do eixo
cultural sobre os eixos político, económico e social, afirmação que não poderia
ser, nos dias de hoje, mais pertinente.
Daí, de resto, a sua caracterização dos grandes blocos transnacionais, que
qualifica como “macroblocos geoculturais” (p. 41) e linguísticos, dado que,
como expressamente defende: “mais que blocos religiosos, como pretende
Samuel P. Huntington, preocupado como estado-unidense com o fundamentalismo
islâmico, o mundo do século XXI tende a também, e ainda mais, a congregar-se em
blocos linguísticos” (p. 133). Daí, em suma, todo o fundamento da Lusofonia
enquanto macrobloco geocultural e linguístico, em que o mar não é factor de distância
mas de (re)aproximação – ainda nas palavras de Vamireh Chacon: “o mar é a ponte dos Estados transnacionais” (p. 27); “todos os [países] lusófonos dispõem
do mar oceano como fronteira recíproca a aproximá-los mais que a distanciá-los”
(p. 81).
Referindo-se ao teor da
cultura lusófona, Chacon alude a “uma
razão atlântica, herdada das lusas Descobertas ultramarinas do Renascimento,
quando Portugal lhe acrescentou a dimensão do coração, em vez de limitar-se ao
seu frio, objectivo, racionalismo inicial. A razão atlântica luso-tropical vem
revelando-se ecuménica em todos os tipos de miscigenação étnicos e culturais”
(p. 81). Daí ainda o referir-se ao “ideal ou meta da miscigenação multi-étnica
na morenidade lusófona prevista e defendida por Gilberto Freyre, a Onça
Castanha de Ariano Suassuna” (p. 33), dado que “foi mestiçando-se, não só em
carne, mas em espírito, que o português do sonho sebástico de tornou o
brasileiro de hoje” (p. 137). Daí, em suma, a sua visão do Brasil: “não
centralista porque respeitadora dos foros dos municípios remontando ao domínio
romano, enquanto os foros de Espanha se estendiam a regiões inteiras. Daí o
único vice-reinado da América Portuguesa diante dos vários da América
Espanhola” (p. 32)
Uma palavra final, relativa à
sua visão de Portugal – transcrevendo aqui uma obra passagem d’ O futuro político da Lusofonia: “O
escritor e estadista Leopold Sedar Senghor, primeiro presidente do Senegal, ele
próprio de ascendência afro-lusa, entendeu muito bem, apesar das naturais
limitações da sua francofonia, como, ‘daqui para o futuro, mais consciente da
sua rica singularidade, o Portugal Novo avançará numa dupla direcção; por um
lado para reintegrar a Europa em construção – falo da Europa cultural – mas,
por outro, para ajudar com o Brasil e elaboração de um mundo lusófono,
nomeadamente ao nascimento, em África, de novos Brasis, cheios de força porque
de sangue misturados e prefigurando o mundo do futuro’” (p. 85). Caso para
dizer, em conclusão: lamentavelmente, Portugal não teve, nestas últimas
décadas, um alto responsável político com esta visão do país e da Lusofonia.
Sem comentários:
Enviar um comentário